Nesta série analisamos figuras históricas do passado da China que têm intrigantes paralelos ocidentais.
Hoje vamos dar uma olhada em duas das mais belas e lendárias mulheres da História. Embora uma seja celebrada por seu sacrifício pela paz e a outra lembrada pela guerra causada por seus assuntos do coração, talvez ambas estivessem trilhando caminhos predestinados. Talvez as duas tenham sido, inclusive, emissárias da intervenção divina.
Quem eram elas?
A tradição chinesa fala das Quatro Grandes Belezas – quatro mulheres de dinastias diferentes que eram tão lindas que, ao vê-las, os peixes deixariam de nadar e afundariam (Xi Shi), a lua entraria em eclipse (Diao Chan), as flores desabrochando cairiam de vergonha (Yang Guifei), e pássaros em vôo cairiam do céu (Wang Zhaojun).
Wang Zhaojun nasceu há mais de 2.000 anos, durante a Dinastia Han Ocidental. Além de sua aparência encantadora, ela também foi educada nos textos clássicos e reconhecida por seu talento artístico. Com o tempo, a jovem foi convocada ao palácio imperial em preparação para se tornar concubina do imperador.
Naquela época, era costume os artistas imperiais pintarem retratos das damas do harém para o imperador escolher. Infelizmente, a seleção era dirigida por eunucos corruptos, que as jovens teriam de subornar para terem a oportunidade de serem selecionadas. Mas Wang recusou-se a recorrer ao suborno. Em retaliação, o artista que a pintou adicionou uma pinta feia ao seu retrato. Assim, o imperador ignorou Wang e nunca se preocupou em vê-la.
Durante este tempo, a China esteve envolvida numa guerra sangrenta com uma tribo do norte. O imperador e o chefe da tribo finalmente concordaram em resolver o conflito com um tratado de casamento. O chefe insistiu, porém, que a sua futura esposa não deveria ser ninguém menos do que a filha do imperador. No entanto, o imperador não estava disposto a separar-se da sua preciosa princesa e, por isso, ordenou que outra mulher fosse escolhida para ocupar o seu lugar. Os funcionários apresentaram o retrato nada lisonjeiro de Wang para aprovação, e ele deu um ok indiferente.
O imperador não tinha ideia da beleza extraordinária de Wang até que ela foi apresentada ao chefe. Mas era tarde demais. Ela foi levada para as pastagens selvagens do extremo norte, para nunca mais voltar.
O chefe ficou encantado com sua parte no trato. A partir de então, as relações entre o seu povo e os Han melhoraram notavelmente e a paz prevaleceu durante mais de meio século.
Wang Zhaojun perdeu as suas próprias perspectivas futuras para o bem-estar da sua terra natal. Simplificando, sua história é de grande sacrifício pessoal. E graças a esta jovem, inúmeras vidas foram poupadas.
Certos contos folclóricos afirmam que Wang era uma fada celestial enviada dos céus para trazer a paz às duas nações – que esta era a sua missão.
Como se sabe, a cultura tradicional chinesa acredita que todos os eventos de importância histórica são organizados pelos deuses e estão sob a sua orientação predeterminada. Isto inclui a guerra e a ascensão e queda de dinastias. Acredita-se também que o imperador seja o Filho do Céu; ele é escolhido pelos deuses e deve manter o Mandato do Céu. Como tal, uma pessoa mortal dificilmente conseguiria deixar uma marca na história ou alterar notavelmente o grande roteiro da história, a menos que estivesse cumprindo a vontade do Céu.
Portanto, desde os dons inatos de Zhaojun até cada passo que a levou ao palácio e que eventualmente a direcionou a uma escolha inesperada, talvez nada disso tenha sido por acaso.
Helena de Tróia
Enquanto a beleza de Wang conseguia derrubar pássaros do céu, Helena de Tróia tinha um rosto capaz de lançar mil navios ao mar. Durante séculos, ela foi repetidamente apelidada de “a mulher mais bonita do mundo”.
Filha de Zeus e da rainha mortal Leda, Helena era uma semideusa. Sua história, contada na Ilíada e na Odisseia de Homero, foi retratada repetidas vezes em obras de arte, peças de teatro e filmes ao longo de três milênios.
Helena, conta a história, era admirada por muitos homens poderosos e influentes. Foi o rei Menelau de Esparta quem a conquistou, mas ela foi posteriormente sequestrada e levada para Tróia pelo príncipe troiano Páris. Existem muitas versões da história: ela foi levada cativa ou de fato fugiu com Páris?
Seja qual for o caso, os enfurecidos espartanos partiram em mil navios para atacar Tróia e recuperar Helena, iniciando a sangrenta Guerra de Tróia, que durou dez anos. No final, Páris foi morto em batalha e Helena voltou para casa.
No entanto, o que não é tão conhecido é que o marido da mãe de Helena (seu padrasto, o rei Tíndaro) uma vez ofendeu acidentalmente a deusa Afrodite. A deusa amaldiçoou todas as filhas de Tíndaro – bem como Helena – condenando-as a deixarem os maridos e a envolverem-se em múltiplos casamentos.
E embora possa parecer que foi ideia de Páris ir a Esparta – sob o pretexto de uma missão diplomática – para arrebatar Helena, isso também foi pré-ordenado.
No Julgamento de Páris, Zeus usa Páris para selecionar a vencedora de um concurso de beleza entre três deusas – Afrodite, Hera e Atenas. Cada uma das deusas tenta Páris com uma recompensa prodigiosa. Mas Páris escolhe Afrodite porque ela lhe oferece a mulher mais bonita do mundo – Helena, enteada de seu antigo padrasto rancoroso, Tíndaro. Ao longo da história, Afrodite conduz Páris e Helena um ao outro repetidas vezes. Para complicar, a coisa toda evoca a ira da deusa Hera, que perdeu o concurso de beleza acima mencionado. E quando a rainha do panteão grego quer vingança, ela dá tudo de si.
Como a história da Grécia antiga está muito entrelaçada com a mitologia grega, não é surpresa encontrar a Guerra de Tróia dirigida pelos deuses. Assim, Helena poderia ser interpretada como atriz em uma grande peça de intervenção divina envolvendo Afrodite que amaldiçoa Tíndaro, Zeus que coloca Páris em uma situação complicada para julgar o concurso das deusas, Afrodite que promete recompensar Páris e Hera que busca vingança contra Páris. E então muitos outros deuses gregos aparecem em ambos os lados para ajudar a acertar as contas.
Bem, aí está: duas belezas lendárias do Oriente e do Ocidente, uma que pacificou uma guerra e outra que foi a razão para iniciar uma. Parecem paralelos correndo em direções opostas, mas uma vez que você considera a intervenção divina, são mais semelhantes do que parecem.
Temos um último par de personagens pela frente. Você consegue adivinhar quem eles são?